quarta-feira, 13 de outubro de 2010

EDUQUE-SE




Em casa ou na rua
Eduque-se - Por Marcus Mosiah Garvey
Nunca se deve deixar de aprender. Os maiores homens e mulheres do mundo foram
pessoas que educaram-se fora das universidades, com todo o conhecimento que a
universidade oferece, você tem a oportunidade de fazer o que os estudantes das
universidades fazem: ler e estudar.
Nunca se deve deixar de ler. Leia tudo o que possa que seja de conhecimento padrão.
Não desperdice seu tempo lendo literatura que são lixos. Leia, não preste nenhuma
atenção às novelas de dez centavos, as histórias do velho oeste ou livros de romances
baratos. Mas onde há uma boa trama e uma boa história na forma de uma novela, as
leia. É necessário as ler com o propósito de obter informações sobre a natureza
humana. A idéia é que a experiência pessoal não é suficiente para um humano obter
todo o conhecimento útil da vida, porque a vida individual é muito curta, por isso deve
ser alimentada pela experiência dos outros. A literatura que lemos devem incluir a
biografia e a autobiografia de homens e mulheres que tenham alcançado a grandeza em
sua linha particular. Quando puder compre a esses livros e os leia, enquanto você os lê
faça anotações, a lápis ou caneta, sobre as informações importantes e parágrafos que
você gostaria de lembrar, assim, quando tiver que recorrer ao livro, por qualquer
pensamento que você tenha sobre ele e gostaria de refrescar a sua memória, não terá
de ler o livro inteiro.
Você deve ler a melhor poesia de inspiração. Os poetas padrão sempre foram os
maiores criadores de inspiração. Em uma boa linha de poesia, você poderia começar a
inspiração para a corrida de sua vida. Muitos grandes homens e mulheres foram
inspirados por uma linha atrativa de poesia ou verso.
Há poetas bons e maus poetas, como há romances bons e maus romances. Sempre
selecionar os melhores poetas para aumentar a sua inspiração.
Leia a história incessantemente até dominá-la. Isto significa a sua própria história
nacional, história do mundo, a história social, história industrial, e a história de várias
ciências, mas principalmente a história do homem, se você não sabe o que aconteceu
antes de vir aqui e o que está acontecendo no tempo em que vive, longe de você, não
conhecer o mundo e ser ignorante do mundo e da humanidade.
Você só pode fazer o melhor da vida para conhecer e entender, de saber que você
pode mergulhar na inteligência dos outros que vieram antes de você e não deixaram os
seus registros.
Para ser capaz de ler com inteligência, você deve primeiro ser capaz de lidar com a
língua de seu país. Para fazer isso, você deve estar bem familiarizado com sua
gramática e conhecimento dela. A cada seis meses, você deve ler mais uma vez sobre a
ciência da linguagem falada, portanto não se esqueça das regras. As pessoas te julgam
pela sua expressão escrita e oral. Se você falar e escrever corretamente, predispondoos
a sua inteligência, e se você falar mal e incorretamente, aqueles que ouvi-lo, é
repugnante e não prestar atenção, mas em seus corações vão rir de você. Um líder que
ensinar aos homens sem apresentar nenhum fato de verdade para o homem deve
primeiro ser aprendido em seu sujeito.
Nunca ler ou escrever sobre um assunto sobre o qual você não sabe nada, pois há
sempre alguém que sabe sobre o determinado assunto para rir de você ou fazer uma
pergunta embaraçosa que poderiam fazer os outros rirem de você. Você pode aprender
sobre qualquer assunto, sob o sol, lendo sobre o assunto. Se você não pode comprar
livros de uma só vez e os possuir, vá para bibliotecas públicas os leia lá, ou peça que
sejam entregues, ou vá participar de uma biblioteca em seu distrito ou vila para a
utilização desses livros. Você deve fazer isso para que você possa consultá-las para
obter informações.
Você deve ler pelo menos quatro horas por dia. O tempo de leitura é melhor na parte
da tarde depois que você se aposentou do seu trabalho e descansou, e antes de dormir,
mas fazê-lo antes do amanhecer, de modo que o que você leu se torna o seu sub
consciente. Ou seja, plantado em sua memória. Nunca vá para a cama sem fazer
algumas leituras.
Nunca manter a companhia constante de alguém que sabe tanto quanto você, ou não
tão educada como você e que não possa aprender algo ou traga queda de seu
conhecimento, especialmente se essa pessoa é analfabeta ou ignorantes, para a
associação constante com essas pessoas causará de ser levado para a cultura peculiar
ou ignorância dessa pessoa. Sempre tente associar com pessoas que você pode
aprender alguma coisa. O contato com pessoas cultas e de livros é a melhor companhia
que você pode tomar e manter.
Ler bons livros mantem a empresa dos autores ou dos temas do livro, quando você não
consegue encontrar outra forma de contato social da vida. Inteligência é nunca descer
para aqueles que estão abaixo de você, mas se possível para ajudar a elevar o seu nível
e sempre tenta superar aqueles que estão em cima de você e ser igual a eles na
esperança de ser seu professor.
Continue sempre em aplicar o que você deseja educativo, cultural, ou não, e nunca
desista até alcançar o objetivo. Você pode alcançar sua meta, se a outro (s) terem feito
antes, provando que eles fizeram isso, é possível.
No seu desejo de alcançar a grandeza, primeiro você precisa decidir em sua própria
mente sobre qual direção você quer encontrar tal grandeza, quando você tiver decidido
em sua própria mente trabalhe incessantemente para isso. O algo especial que você
quer ser capaz de alcançar pode estar diante de voce o tempo todo, faça o que for
preciso para obter ou o que seja possível, deve ser feito. Use a sua autoridade e
persuasão para alcançar especialmente porque você determina em sua mente. Nunca
tente repetir para si mesmo em um discurso novo e de novo repetindo a mesma coisa,
exceto quando se desenvolvem novos pontos, porque a repetição é cansosa e
perturbadora aqueles que ouvem a repetição. Portanto, tentar ter tanto conhecimento
como possível universal através da leitura de modo a ser capaz de se libertar da
repetição para tentar conduzir a um ponto.
Ninguém é velho demais para aprender. Portanto, você deve aproveitar todas as
facilidades educacionais. Se você ouvir de um grande homem ou uma mulher que vai
dar uma palestra ou falam em sua cidade sobre um determinado assunto e da pessoa é
uma autoridade no assunto, sempre arranjar tempo para ir e ouvir. Isto é o que se
entende por aprender com os outros. Você deve aprender os dois lados para cada
história, de modo a ser capaz de debater a questão e manter adequadamente sua causa
com o lado que eles suportam. Se você só conhece um lado da história, você não pode
discutir com inteligência e eficácia. Como exemplo, para combater o comunismo, você
deve saber sobre ele, senão as pessoas vão ter prioridade e você vai ganhar uma
vantagem sobre a sua ignorância.
Tudo o que você enfrenta, primeiro você deve saber sobre ele, de modo a ser capaz de
derrotá-lo. Quando você for ignorante sobre algo que enfrenta, a pessoa com o
entendimento sobre este algo vai esmagá-lo. Por isso, obter conhecimento, obtenham
rápido, obtenham estudos, mas não os utilizade de qualquer maneira.
Conhecimento é poder. Quando você sabe alguma coisa, você pode manter o seu
terreno neste conhecimento e vencer seus oponentes nele , aqueles que ouvem você
aprendem a ter confiança em você e confiar em sua capacidade.
Nunca, portanto, ofenda a nada sem poder defendê-lo sobre isso, porque toda vez que
você é derrotado leva o seu prestígio você não é tão respeitado como sempre.
Todo o conhecimento que você quer está no mundo, e tudo que você tem a fazer é ir à
procura, e não parar até que você encontrar. Você pode encontrar conhecimento ou
informação sobre o assunto em bibliotecas públicas, se não na sua própria biblioteca.
Tente ter um livro, e possuí-lo, em cada pouco conhecimento o que você deseja. Você
normalmente pode obter estes livros em lojas de segunda mão, por vezes, um quinto
do preço original.
Sempre tem uma estante totalmente equipada com livros. A maioria das informações
sobre a humanidade pode ser encontrada na Enciclopédia Britânica. Este é um livro
caro, mas tente obtê-lo. Compre uma edição completa para você e para manter a sua
casa, e quando você estiver em dúvida sobre algo, leia e você vai encontrar lo.
O valor do conhecimento é utilizá-lo. Não é humanamente possível para uma pessoa a
manter todo o conhecimento do mundo, mas se uma pessoa sabe como procurar o
conhecimento de todo o mundo, ela vai encontra-lo quando quiser.
Um médico ou um advogado, mesmo após a aprovação de sua formação na faculdade
Não conhece todas as leis nem conhece todas as técnicas da medicina, mas possui
todos conhecimentos fundamentais. Quando busca um determinado tipo de
conhecimento sabe se direcionar para os seus livros médicos ou livros de direito e
remete para a lei especial, ou como usar a prescrição do medicamento. Você deve,
portanto, saber onde encontrar seu conhecimento e usá-los como quiser. Ninguém vai
saber onde você obteve-los, mas você tem que saber usá-los corretamente, eles vão
achar você uma pessoa maravilhosa, um grande gênio, e um líder confiável.
Ao ler não é necessário ou obrigatório que você concorde com tudo que você lê. Você
deve sempre ler ou aplicar o seu próprio raciocínio para o que você leu com base no
que já sabe sobre os fatos do que você leu. Execute um teste em tudo que você lê com
base nesses fatos. Quando eu digo fatos eu quero dizer coisas que não podem ser
contestadas. Você pode ler velhos pensamentos e opiniões que são antigas e foram
alterados desde que foram escritas. Você deve sempre procurar encontrar os últimos
acontecimentos sobre esse assunto específico, e só quando esses fatos são
consistentemente sustentado no que você lê, você deve concordar com eles. Caso
contrário, você tem direito a sua própria opinião.
Sempre tenha conhecimento atual. Você pode encontra-lo a partir de livros anteriores
e recentes publicações, revistas e jornais. Leia o seu jornal diário em cada dia. Ler um
jornal todos os meses contribui para um padrão mensal, leia a revista trimestral, este
conhecimento vai contribuir para todo o ano e para além dos livros que você ja leu,
cujos fatos não mudaram nesse ano. Não manter velhas idéias que elas chegam a
enterrar a notícia atual.

Filosofia e Opiniões de Marcus Garvey

CEPAPA - Centro de Estudo, Pesquisa e Aplicação Pan-Africano - nos reunimos todas as tardes no Espaço Cultural Casa Aberta no Outeiro -centro/Ilhéus -Todas as tardes das 14:30 às 18:00 com leitura - debate - oficinas.  



terça-feira, 12 de outubro de 2010

A Educação Tradicional na África



Quando fui nomeado membro do Conselho Executivo da Unesco, atribuí-me o objetivo de falar aos europeus sobre a tradição africana enquanto cultura. A coisa era um tanto difícil, já que na tradição ocidental foi estabelecido firmemente que, onde não há escrita, não há cultura. A prova da dificuldade é que, a primeira vez que propus que se considerassem as tradições orais como fontes históricas e fontes de cultura, provoquei apenas sorrisos. Alguns chegaram a perguntar, com ironia, que proveito a Europa poderia tirar das tradições africanas! Lembro-me de haver respondido: "A alegria, que vocês perderam". Talvez pudéssemos acrescentar hoje em dia: "Uma certa dimensão humana, que a civilização tecnológica moderna está prestes a fazer desaparecer".
O fato de não possuir uma escrita não priva a África de ter um passado e um conhecimento. Como dizia meu mestre, Tierno Bokar: "A escrita é uma coisa e o saber é outra. A escrita é a fotografia do saber, mas ela não é o saber em si. O saber é uma luz que está no homem. É a herança de tudo o que nossos ancestrais puderam conhecer e que nos transmitiram em germe, exatamente como o baobá, que já está contido em potência em sua semente".
Evidentemente, este conhecimento herdado e transmitido oralmente pode desenvolver-se ou estiolar-se. Desenvolve-se onde existem centros de iniciação e jovens para receber a formação. Perde-se sempre que a iniciação desaparece.
O conhecimento africano é imenso, variado. Con­cerne a todos os aspectos da vida. O "sábio" não é jamais um "especialista". É um generalista. O mesmo ancião, por exemplo, terá conhecimentos tanto em farmacopéia, em "ciência das terras" - propriedades agrícolas ou medicinais dos diferentes tipos de terra - e em "ciência das águas", como em astronomia, em cosmogonia, em psicologia etc. Podemos falar, portanto, de uma "ciência da vida": a vida sendo concebida como uma unidade onde tudo está interligado, interdependente e interagindo.
Na África, tudo é "História". A grande História da vida comporta seções que serão, por exemplo: a história das terras e das águas (a geografia), a história dos vegetais (a botânica e a farmacopéia), a história dos "filhos do seio da terra" (a mineralogia), a história dos astros (astronomia, astrologia) etc. Estes conhecimentos são sempre concretos e dão lugar a utilizações práticas. Na ordem dos conhecimentos, começa-se "por baixo", pelos seres e as coisas menos desenvolvidas ou menos animadas em relação ao homem, para "subir" até o homem.
A terra, considerada o "umbigo" do mundo, é o habitat principal de três tipos de seres. Vale dizer, é o habitat de três modos de manifestação da vida:
1) No fundo da escala, encontramos os seres inanimados, ditos "mudos", dos quais a linguagem é considerada como oculta, sendo incompreensível ou inaudível para o comum dos mortais. É o mundo de tudo o que está contido na superfície da terra (areia, água etc.) ou em seu seio (minerais, metais etc.)
2) Vêm em seguida os seres "animados imóveis". Tratam-se dos viventes que não mudam de lugar. São os vegetais, que podem estender e espalhar seus braços no espaço, mas dos quais o caule ou tronco não pode se mover.
3) Enfim, os "animados móveis", que vão do mais minúsculo animal até ao homem, passando por todas as classes de animais.
Cada uma dessas categorias encontra-se subdividida em três grupos:
1) Entre os inanimados mudos, encontramos os inanimados sólidos, os inanimados líquidos e os inanimados gasosos (literalmente: "fumegantes").
2) Entre os animados imóveis, encontramos os vegetais rasteiros, os vegetais trepadores e os vegetais de sustentação vertical, que constituem a classe superior.
3) Os animados móveis compreendem os animais terrestres (entre os quais os animais invertebrados, como os vermes, e os animais vertebrados), os ani­mais aquáticos e as aves.
Essas nove classes de seres constituem períodos de ensino específicos, mas que não são forçosamente sucessivos ou progressivos. O ensinamento é com efeito associado à vida e dispensado ao sabor das circunstâncias que se apresentam. Se, por exemplo, uma serpente surgir inesperadamente de uma moita, será a ocasião, para o velho mestre, de proferir uma lição sobre a serpente. Conforme seu auditório seja constituído de crianças ou de adultos, ele orientará diferentemente seu discurso. Ele poderá falar das lendas da serpente, ou dos remédios que podem curar sua mordida. Se ele estiver cercado de crianças, se estenderá de bom grado sobre os perigos da serpente, para que aprendam a proteger-se.
O estudo da terra, das águas, da atmosfera e de tudo que elas contêm enquanto manifestações de vida, constitui o conjunto dos conhecimentos humanos, legados pela tradição. Mas a maior de todas as "histórias", a mais desenvolvida, a mais significativa, é a história do ser humano, que se encontra no topo dos "animados móveis".
É o conhecimento do homem e a aplicação deste conhecimento na vida prática que faz do homem um ser "superior" na escala dos seres vivos. É somente então que se pode dizer que ele esteja no estado de neddaaku (na língua fula) ou de maayaa (no idioma bambara), isto é, no estado de homem completo.
A história do ser humano compreende, de um lado, os grandes mitos da criação do homem e de sua aparição sobre a terra, com o significado do lugar que ele ocupa no seio do universo, o papel que ali ele deve desempenhar - essencialmente um papel axial de equilíbrio - e sua relação com as forças de vida que o rodeiam e que o habitam. Compreende, por outro lado, a história dos grandes ancestrais, os inumeráveis contos educativos, iniciáticos e simbólicos e, enfim, a história propriamente dita, com as grandes tradições das realezas, as crônicas históricas, as epopéias e assim por diante.
A tradição transmitida oralmente é tão precisa e tão rigorosa que se pode, com diversas confirmações, reconstituir os grandes acontecimentos dos séculos passados nos mínimos detalhes, especialmente a vida dos grandes impérios ou dos grandes homens que ilustraram a história africana. (...)
Nas civilizações orais, a palavra compromete o homem, a palavra é o homem. Daí o respeito profundo pelas narrativas tradicionais legadas pelo passado, nas quais é permitido o ornamento na forma ou na apresentação poética, mas onde a trama permanece imutável através dos séculos, veiculada por uma memória prodigiosa que é a característica própria dos povos de tradição oral. Na civilização moderna, o papel substituiu a palavra. É ele que compromete o homem.
Mas é possível afirmar, com toda certeza e nessas condições, que a fonte escrita é mais digna de confiança que a fonte oral, constantemente controlada pelo meio tradicional?
É útil precisar que na África, o lado visível e aparente das coisas corresponde sempre a um aspecto invisível e escondido, que é como a sua fonte ou o seu princípio. Assim como o dia nasce da noite, todas as coisas comportam um aspecto diurno e um noturno, uma face aparente e uma escondida. A cada ciência aparente corresponderá, então, sempre uma ciência muito mais profunda, especulativa - podemos dizer, esotérica -, baseada na concepção fundamental da unidade da vida e da inter-relação, no seio desta unidade, de todos os diferentes níveis de existência. Existe aí um domínio que, por ser menos facilmente explorável, merece ser mais aprofundado e pesquisado, antes que os últimos depositários desta ciência desapareçam.
O conhecimento africano é um conhecimento global, um conhecimento vivo. É por isso que os anciãos, os últimos depositários desse conhecimento, podem ser comparados a vastas bibliotecas, das quais as múltiplas prateleiras estão ligadas entre si por relações invisíveis que constituem precisamente esta "ciência do invisível", autenticada pelas correntes de transmissão iniciática.
Outrora, este conhecimento era transmitido regularmente de geração em geração, mediante ritos de iniciação e pelas diferentes formas de educação tradicional. Esta transmissão regular foi interrompida devido a uma ação exterior, extra-africana: o impacto da colonização. Esta, chegando com sua superioridade tecnológica, com seus métodos e seu ideal de vida próprios, fez de tudo para impor seu próprio jeito de viver àquele dos africanos. Como jamais se semeia em terras não preparadas, as potências coloniais foram obrigadas a "roçar" a tradição africana para poder plantar sua própria tradição.
A escola ocidental começou, portanto, com­batendo a escola tradicional africana e perseguindo os detentores do conhecimento tradi­cional. Foi a época em que todos os curandei­ros foram jogados nas prisões como "charlatões" ou por "exercício ilegal da medicina"... Foi também a época na qual se impedia às crianças de falar sua língua materna, com o propósito de afastá-Ias das influências tradicionais. Isso chegou a tal ponto que, na escola, a criança que fosse surpreendida falando sua língua materna recebia pendurado no pescoço um quadro chamado "símbolo", no qual estava desenhada uma cabeça de burro, e ficava privada do almoço...
Os grãos desta nova tradição, uma vez semeados, cresceram e deram frutos. É por isso que a jovem África, nascida da escola ocidental, tem tendência a viver e a pensar de modo europeu, pelo que não podemos repreendê-Ia, pois é apenas o que ela conhece. O aluno vive sem­pre de acordo com as regras de sua escola.
Na época colonial, a transmissão iniciática, que se fazia outrora às claras e de uma maneira regular, teve que refugiar-se numa espécie de clandestinidade. Pouco a pouco, o afastamento das crianças de suas famílias fez com que os anciãos não encontrassem mais à sua volta jovens suscetíveis de receber os ensinamentos. A iniciação saiu das cidades para refugiar-se no campo. Mas o golpe de misericórdia lhe foi dado por ocasião da independência, com a base de idéias e ideologias exclusivamente européias.
Enquanto o colonialismo, com efeito, suscitava reservas e penetrava pouco no campo, estas mesmas idéias européias, veiculadas por partidos políticos modernos, mobilizaram massas até o mais recôndito vilarejo, de tal maneira que a transmissão quase não encontra mais terreno onde possa ser exercida.
Numa época em que diversos países do mundo, por intermédio da Unesco, consagram recursos financeiros e esforços materiais para salvar os grandes monumentos históricos ameaçados, não seria ainda mais urgente salvar o prodigioso capital de conhecimentos e de cultura humana acumulado, ao longo de milênios, nesses frágeis monumentos que são os homens, e do qual os últimos depositários estão desaparecendo?
Em nossos dias, devido à ruptura na transmissão tradicional, quando um desses sábios anciãos desaparece, são todos os seus conhecimentos que são devorados com ele pela noite. Eu não desejo isso nem para a África, nem para a humanidade. ...
Tradução de Daniela Moreau
(texto originalmente editado em francês como capítulo do livro Aspects de la Civilization Africaine, Paris, ed. Présence Africaine, 1972 e publicado em português na revista THOT n. 64, 1997).
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